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FORA DO TROÇO com Abel Fernandes (Sports & You)

“O Malcolm Wilson sempre foi a minha referência no motorsport”

É um dos rostos da Sports & You, tanto na parte técnica como na gestão da empresa, acumulando quatro décadas de experiência no desporto automóvel. Aos 58 anos, Abel Fernandes, que se iniciou nas lides da mecânica de competição apadrinhado pelo seu tio Artur Bastos – fundador e líder da BastoSport, depois de se ter notabilizado na Diabolique ainda nos tempos da Fórmula Ford –, falou ao www.campeonartodeportugalderalis.pt para responder a diversas questões. Histórias não lhe faltam…

Se não fosse técnico especializado ou sócio de uma empresa como a Sports & You que opera no desporto automóvel, que outra carreira poderia ter seguido?

“Sinceramente, à parte de o desporto automóvel ter sido sempre a minha paixão, creio que seria um homem de negócios noutra área qualquer. Contudo, tive a felicidade, mas também lutei por isso, de singrar no desporto automóvel e não me limitei à particularidade de ser apenas mecânico, já que procurei, desde o início, criar condições para ter a minha própria equipa. Dei os primeiros passos na Diabolique, seguiu-se a Peres Competições, depois a Opção 04, até ser um dos fundadores da Sports & You. Portanto, para mim isso era um objetivo e nunca coloquei em equação outra hipótese na minha vida que não fosse estar ligado ao motorsport. Comecei aos 18 anos como mecânico, na Diabolique. Sou sobrinho do senhor Artur Bastos e sempre que ele ia a Celorico de Basto, de onde somos naturais e eu residia, chateava-lhe a cabeça, dizendo que a minha paixão era trabalhar no desporto automóvel, até que um dia, por seu intermédio, surgiu a oportunidade de trabalhar na Diabolique, uma casa de referência naquela época, tanto a nível nacional como internacional, na qual aprendi muito e criei inúmeros contactos. Quando a Diabolique fechou as portas eu ingressei na Peres Competições, partindo daí para a Opção 04, até que surgiu a oportunidade de fazer a sociedade com o Paulo Ferreira, quando criámos a Sports & You”.

Qual a situação mais curiosa e insólita com que já se deparou no decurso de um rali?

“Uma vez, nos meus tempos da Peres Competições, ganhámos o Rali do Algarve, com o Fernando Peres e o Ford Sierra Cosworth, no Grupo de Produção. Estávamos na Serra de Monchique, o ambiente era de grande satisfação e decidimos dar uma lavagem rápida ao carro, antes de eles fazerem a ligação final, para não chegar a Vilamoura, onde estava o pódio da consagração, todo sujo. A verdade é que a partir desse momento o motor nunca mais funcionou. Tentámos tudo e mais alguma coisa, como se costuma dizer, mas… nada. Passei por imensas situações curiosas, mas essa é a que me ocorre agora. Na altura tentamos tudo por tudo para colocar o carro em funcionamento, mas de nada valeu e nunca entendemos as razões do sucedido. O carro tinha acabado de cumprir a última classificativa, ganhara o Grupo de Produção num rali duríssimo em pisos de terra, só faltava fazer a última ligação por estrada até ao pódio. Desistimos, porque não conseguimos que o motor do Sierra voltasse a trabalhar. Até ao lavar dos cestos tudo é vindima e a grande lição é que apenas se pode cantar vitória depois de subir ao pódio”.

Há algum técnico ou personalidade do WRC que seja uma inspiração?

“A nível nacional, destaco o meu tio, Artur Bastos, e a nível internacional o Malcolm Wilson, da M-Sport, de quem sou amigo e que há dois meses me proporcionou uma visita guiada às novas instalações da sua empresa, acompanhado do José Pedro Fontes. Passei muito tempo em Inglaterra na altura em que trabalhava com a Ford e tivemos sempre uma ligação grande. Esse senhor é uma inspiração para mim, uma referência. Foi o meu grande mestre no motorsport e continuo a dizer que Malcolm Wilson mesmo não dispondo de condições idênticas às dos adversários, consegue fazer carros ganhadores quando tem bons pilotos”.

Que prova do WRC mais o fascina? Sonha trabalhar lá um dia?

“Claro que me faltam muitos ralis, mas considero que os portugueses estão ao nível do melhor que há em qualquer parte do mundo. O Rali de Portugal, que tive oportunidade de acompanhar ao longo de todos estes anos, continua a ser uma grande referência, embora também goste de outras provas em terra. Como rali de asfalto, o da Madeira, na minha opinião é um dos melhores que há, mesmo a nível internacional.

Em Portugal e no CPR qual é o seu rali de eleição e porquê?

“Como já disse, destaco o Rali de Portugal e o Rali Vinho da Madeira”.

Que tipo de situação nos ralis é que o irrita verdadeiramente?

“Há uma frase de um célebre engenheiro da Williams, Patrick Head, que dizia: ‘A pior coisa que existe nas corridas é trabalhar com gente lenta’. E eu partilho dessa opinião, porque quando estou a trabalhar na máxima rapidez e tenho ao lado gente lenta, fico profundamente irritado. Nas corridas deve estar gente que trabalhe ao ritmo da… velocidade das mesmas. Quando uma pessoa que tem de tomar decisões rápidas tem alguém ao lado que não o consegue acompanhar é uma chatice e, com toda a franqueza, isso irrita-me profundamente”.

Caso lhe saísse o Euromilhões, investia o dinheiro em quê na área do desporto automóvel? Em novas instalações? Na aquisição de um carro especial?

“Sinceramente, na Sports & You dispomos de muito boas condições, a começar pelas instalações, que são maravilhosas. Isso ainda me dá mais gozo por terem sido construídas com os investimentos do nosso negócio e não com dinheiro de qualquer Euromilhões, o que é motivo de orgulho, não só para mim como para os restantes sócios. Em relação a carros, claro que gostaria, na Sports & You, de ter projetos com mais alguma verba que nos permitisse apostar em jovens pilotos e levá-los até a um nível ainda mais elevado. Por exemplo, era ótimo dispor de condições para apoiar um jovem até ao WRC ou ter jovens a disputar bons campeonatos de GT”.

Qual é o piloto que mais o impressionou até hoje?

“Muitos e jovens, mas é difícil apontar um, porque tudo depende do contexto e das condições. Mas houve muitos, e não vou destacar um em detrimento de outros, para evitar ser injusto, que me impressionaram. Lembro-me de um miúdo que chegou do Chile, nunca tinha vindo à Europa, sentou-se pela primeira vez num Fórmula BMW em Jerez de La Frontera e fez a ‘pole’. Entrou no circuito já em cima da hora, depois não tinha licença para correr, foi tudo muito à pressão, por curiosidade refira-se que era originário de uma família humilde, mas talento não lhe faltava… Há um português que acho que possuía valor para ter chegado a um patamar muito alto na velocidade, que era o Figueiredo e Silva. Trabalhei com o pai, depois tive oportunidade de fazê-lo com ele, um miúdo com um talento fora do comum. Enfim, só tinha essa parte, porque não sabia gerir o outro lado, porque nos dias de hoje um piloto necessita de uma boa imagem. Mas claro que tive muitos outros. Recordo o Pedro Matos Chaves na altura em que direcionou a sua carreira para os ralis – era um piloto de velocidade com quem eu tinha trabalhado nos monolugares– e ninguém acreditava que ele fosse capaz de ter sucesso. A verdade é que se sagrou campeão nacional de ralis e é uma pessoa que me impressionou pela sua capacidade e inteligência, além da forma de estar neste desporto. De saber captar todas as informações e ouvir toda a gente. Mas, como já disse, sinto-me orgulhoso de todos os pilotos com quem trabalhei”.

Creditos: CampeonatoPortugalDeRalis.pt