RICARDO TEODÓSIO E O TERCEIRO TÍTULO ABSOLUTO NO CPR
“O teste em Leiria antes do ‘Vidreiro’ foi a chave de ouro para me sagrar campeão”
Nas mais recentes cinco épocas do Campeonato de Portugal de Ralis (CPR), ano ímpar tem sido “sinónimo” de título de campeão para a dupla Ricardo Teodósio/José Teixeira, que no último Rallye Vidreiro – Centro de Portugal fez a festa da conquista do terceiro. Em conversa com o campeonatoportugalderalis.pt e sem qualquer tipo de filtros, o piloto de Albufeira puxou atrás o “filme” da jornada decisiva do CPR e revelou o que, no seu entender, terá contribuído para decidir, em termos de desempenho, o título a seu favor. O papel da esposa foi, também, salientou o piloto do Team Hyundai Portugal, determinante para quem não recorreu a qualquer tipo de apoio psicológico, de modo a atenuar a pressão na semana de todas as decisões.
Na hora dos agradecimentos, Teodósio procurou não esquecer ninguém, nem mesmo “os jornalistas e elementos da área da comunicação que escrevem sobre os ralis e acompanharam o campeonato”, para depois enumerar: “Um grande obrigado aos meus patrocinadores, que sempre acreditaram em nós, à Hyundai e à Sports & You, bem como à minha família, com a minha mãe na frente e também ao seu namorado, disponível para ajudar em todas as horas. Agradeço ainda à minha mulher, ao Paulo, ao Zé, ao Hugo Bentes, ao engenheiro Maurício, da Hyundai, ao Hugo, responsável pelo meu carro e ao Chico, ambos da Sports & You, e a todos os fans e amigos que gostam de mim e deram todo o seu apoio”.
Dos três títulos o mais difícil foi o de 2021, pois a luta manteve-se até ao último troço e necessitei de nervos de aço para superar os problemas que surgiram
– Quatro pilotos na discussão do título até à oitava e última prova e nervoso miudinho até ao controlo final da derradeira classificativa da época. Foi o título mais difícil e complicado dos três que conquistaste?
“Mais difícil acho que foi o anterior [2021], pois a luta manteve-se até ao último troço e necessitei de nervos de aço para superar os problemas que surgiram. Depois tive que ir atrás do prejuízo e fazer tudo para ser campeão até ao derradeiro metro da Power Stage. Desta vez foi um pouco mais fácil de gerir o resultado final a partir do momento em que o José Pedro Fontes desistiu. Eu já tinha sido muito rápido nos troços anteriores, conseguindo ‘fugir’ do Armindo e do Miguel…”.
– Quando tiveste a certeza que eras campeão, em quem pensaste de imediato?
“No meu pai, porque sabia que, lá em cima, ele ia ficar orgulhoso e feliz de ver de novo o filho campeão nacional de ralis. Não foi apenas ele que veio à memória naqueles instantes, pois também me lembrei da minha mãe, que está sempre por trás a apoiar, da minha mulher, que nunca baixa os braços, e da equipa 24 sempre presente”.
O Fontes deu-nos os parabéns por sms logo que desistiu e eu respondi que lamentava o sucedido e que não era dessa forma que desejava que a luta pelo título terminasse…
– O que foi verdadeiramente decisivo, ou qual o momento-chave, para te sagrares campeão?
“Direi que foi um misto de um bocadinho de sorte e do acerto do setup do carro para piso molhado. Na terça-feira anterior ao Rali Vidreiro fizemos um teste perto de Leiria e eu pedi para regarem a estrada com o objetivo de experimentar o carro em piso molhado e escolher o melhor setup para tais circunstâncias, o que não tínhamos feito antes. No Rali da Água, com asfalto molhado, as coisas correram-nos mais ou menos, mas faltava-nos confiança para ir até ao limite do Hyundai i20 N Rally2. Quando estamos num rali sem ter a certeza das condições de piso, a nível de aderência, entre muito ou pouco molhado ou até mesmo seco, um piloto deve ter bem ciente na sua cabeça aquilo que pode fazer para ir ‘buscar’ o carro em situações críticas. Esse teste com a estrada molhada foi a nossa chave de ouro, porque quando neste último rali choveu e as condições dos pisos ficaram ‘manhosas’, arriscamos usar pneus mais duros e conseguimos tempos excelentes. Passámos por alguns calafrios, é verdade, mas sempre com tudo controlado, devido à confiança adquirida no referido teste. Depois desse troço, trocamos por outros dois pneus que tínhamos no carro, mais macios, e essa escolha permitiu-nos ganhar o troço e foi aí que ‘arrumamos’ com a concorrência, numa espécie de cartada final. O carro estava perfeito, eu e o Zé [Teixeira] também, correu tudo de forma favorável e desmoralizamos um pouco os adversários da luta pelo título. Tínhamos pneus de chuva montados para a segunda passagem no troço da Mata Mourisca, mas depois de uma longa espera o piso secou, já não havia nada a fazer… Tranquilos, adotámos uma toada mais calma, embora cheios de confiança, até que recebemos uma mensagem do José Pedro Fontes, logo após ele desistir devido a um ‘toque’ nesse troço, a dar-nos os parabéns. Eu respondi-lhe que lamentava o sucedido e que não era dessa forma que desejava que a luta pelo título terminasse… A partir daí, e face à vantagem de que dispunha em relação ao Armindo Araújo e ao Miguel Correia, procurei levar o carro a bom porto, evitando ao máximo fazer cortes nas curvas para não sofrer furos. E ainda deu para brincar com o carro e divertir-me, brindando o público na Power Stage com um ‘360 graus’.
A minha mulher foi, sem dúvida, a melhor terapeuta para contornar a pressão que colocaram sobre mim
– Fizeste alguma preparação especial para este último rali? (exercício físico, alimentação, psicólogo, etc.)
“Não, não recorri à ajuda de ninguém! Claro que foi enorme a pressão que as pessoas colocaram sobre mim, desde os fans, aos amigos, passando pela Sports & You e pela equipa 24, incluindo a minha própria família, todos diziam que eu tinha de ganhar. As pessoas não faziam isso por mal, mas houve muita pressão. A minha mulher foi, sem dúvida, a melhor terapeuta e fê-lo de uma forma simples, ao dizer-me em diversas ocasiões: ‘Ricardo, se puderes, tenta ficar mais distante das pessoas e foca-te apenas naquilo que realmente queres e acredita que tu vais conseguir’. Na verdade, ela foi a pessoa que me deu mais força mental, repetindo-me várias vezes ‘tu vais conseguir, tu vais conseguir’. Portanto, fizemos todos um trabalho bem feito…”
– Caso a Hyundai Motorsport te desse um prémio à escolha, o que te apeteceria fazer? Disputar uma prova do WRC ou fazer um teste com um Rally1…
“Qualquer piloto tem o sonho de subir ao escalão máximo e claro que gostaria de disputar um rali do WRC com um carro desses, mas hoje já me contentava em fazer um teste de 100 quilómetros ao volante do Hyundai Rally1. Seria maravilhoso desfrutar do i20 Rally1, da sua potência, do sistema híbrido, eu sei lá. Pode ser que com um pouco de sorte essa oportunidade venha a surgir um dia…
O que tem de melhor o CPR? Uma concorrência leal e a particularidade de sermos todos amigos
– Qual foi, na luta pelo título, o momento mais crítico para ti no decurso da época?
“A prova que mais me ‘chateou’, e que nos correu bastante mal, talvez tenha sido o Rally de Portugal e concretamente a superespecial de Lousada, devido ao salto na pista que esteve na origem da destruição de uma série de carros e no meu caso da parte frontal do i20. Quando fiz os reconhecimentos e passei nesse salto, disse logo que o mesmo ia custar-me um prejuízo de cinco mil euros, mas afinal enganei-me, porque foram oito mil euros! Além de ter ficado com a parte frontal destruída, o intercooler também cedeu e tive sorte, depois, de conseguir chegar ao Parque de Assistência”.
– O que tem de melhor o CPR?
“Uma concorrência leal e a particularidade de sermos todos amigos, ainda que lutemos uns contra os outros. É muito diferente do que sucede nas pistas. Somos apenas nós os dois, eu e o navegador, e o carro, procurando andar o mais rápido possível. Eu sempre fui uma pessoa de relacionamento fácil, dou-me bem com todos os adversários, mas não só, e só quem me queira mal pode ter problemas, porque por aí também não sou bom de engolir… De resto, há uma concorrência forte no CPR e isso para mim é muito importante, pois se fosse fácil eu já teria ido embora. Nunca fui pessoa de ir atrás de coisas fáceis. Gosto muito de participar em ralis e de ser o mais competitivo possível, mas também não sou uma máquina, tenho dias melhores e outros piores como qualquer ser humano…”
Quero continuar no CPR e a Hyundai também pretende que assim seja e já estou a trabalhar para 2024
– Vais correr até quando, agora que vem aí o ano 24, que é o teu número, mas não é ano ímpar?…
“Não [2024] é ímpar, mas todos os anos damos o máximo e, de facto, nos ímpares o resultado tem sido melhor. Há seis anos que corro em Rally2 e já vencemos três títulos absolutos, o que dá um ótimo balanço de 50 por cento. Em relação ao futuro, eu quero continuar no CPR, a Hyundai também pretende que assim seja e neste momento já estou a trabalhar para 2024. O meu objetivo, não posso escondê-lo, é ser de novo campeão no ano 24, que é o nosso número de eleição. Estou consciente que será uma tarefa complicada, atendendo ao nível de adversários como o Armindo, o Fontes, o Bernardo, o Miguel ou o Pedro [Meireles] e há jovens a crescer como o Pedro Almeida e o Lucas Simões. Embora parado há algum tempo e fazendo apenas alguns ralis por época, o Paulo Meireles não deixa, às vezes, de fazer tempos interessantes. Resta saber se virá outro piloto para a Hyundai, mas se tal suceder oxalá venha para trabalhar e contribuir para nos tornar mais fortes”.
– Neste momento, que palavras podes dirigir, individualmente, a cada um dos três adversários que discutiram o título contigo?
“Prefiro usar as mesmas palavras para os três. Direi que é bom correr com eles e muito positiva a competitividade entre todos nós, porque desse modo estamos em constante progressão. Têm um nível muito elevado e o Miguel, que é o mais novo, acho que está no caminho certo. Ao puxarmos uns pelos outros, temos vindo a superar os tempos das épocas anteriores, o que diz bem da evolução registada”.
“O navegador José Teixeira faz parte de mim e dentro do carro somos uma única pessoa”
– O “Teodósio [Ricardo] dos Frangos” é o piloto mais divertido e sociável do CPR?
“Eu penso que sim, mas tal acontece com naturalidade. Dou-me bem com todos os adversários e até com os espetadores. Gosto de brincar, inclusive com os miúdos, e isso talvez faça do Ricardo Teodósio um piloto diferente dos restantes. É a minha maneira de ser e de estar. Nada me move contra os outros!…”
– Como defines o navegador José Teixeira, que te acompanha há uma dezena de épocas?
“O José Teixeira [Zé] faz parte de mim. Se eu hoje fosse disputar um rali com outro navegador não ia ser igual. Eu e o Zé estamos muito entrosados e dentro do carro somos uma única pessoa. A calma do Zé tranquiliza-me e quando é necessário ‘apertar’ comigo ele sabe como fazê-lo. A mudança de timbre da sua voz a ditar as ‘notas’ faz-me perceber se é uma zona perigosa, rápida ou encadeada. Há uma confiança recíproca que se traduz nos resultados que temos alcançado”.